Quando eu tinha uns 11 anos, soltar pipa era obrigação para todo garoto. Correr e brigar por uma também. Uma pipa era muito mais que um pedaço de papel de seda com algumas varetas de bambu. Era um tesouro, era valioso. Não pelo material em si. Mas no que ele representava. Cortar a pipa adversária ou pegar uma que caia era demonstração de poder.
Lembro que era final de tarde quando eu avistei uma pipa voando devagar para fora do meu condomínio.
Pelo jeito como caía, dava para perceber que não tinham soltado o fio para ela ir mais longe, mas, que o fio estava cortado e ela voava sem controle, empurrada pelo vento.
Olhei para os lados e não vi nenhuma movimentação, nenhum barulho. – Será que ninguém viu? –
Comecei a correr como um louco, sempre olhando para a cima para não perde-la.
Subi um barranco e fui, com a certeza que ela estava por ali: em um matagal fora do condomínio.
Até que de repente enquanto eu corria, senti um vento passando e raspando os fios da minha camiseta. E um objeto metálico caindo no chão.
Naquele momento, a adrenalina estava pulsando a mil, primeiro pela caçada pela pipa e segundo porque alguém estava a me seguir e aquilo que passou raspando nas minhas costas era nada mais que um grande facão usado para cortar cana-de-açúcar.
Ouvia gritos atrás de mim, mas não parei de correr, até que achei a pipa.
- É minha – pensei comigo. Doce engano, o mundo é cruel. Pior é imprevisível.
Quem estava atrás de mim, era nada menos que o dono da pipa com um enorme facão na mão. Sim, ele tinha jogado ele nas minhas costas, o que por uma sorte do destino não me acertou. Acredite, quase foi assassinado por um pedaço de papel.
Como eu disse o importante não é a pipa, e sim o que ela representa, o orgulho ferido de ver um garoto como eu, pegar a pipa que lhe pertencia foi fulminante para ele se explodir de raiva e destruí-la.
Ele quase me matou com um facão nas costas para que eu não aparecesse com a sua pipa de volta no condomínio. Entendeu?
Depois dessa loucura toda, ela ainda estava com o facão na mão e eu perplexo sem saber o que fazer. Será que eu corro? E agora? Vou morrer aqui?
Até que por milagre, meu pai aparece e toma o facão da mão do moleque.
Deu um grande sermão no garoto e aquele facão que quase me transpassou, está até hoje em minha casa.
Quando se é criança até a mais simples brincadeira é levada a sério, nesse mundo infantil onde a tirania reina e que manda é o mais forte.
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